A Luta da Agricultura Familiar e o Meio Ambiente contra a Suzano/SA

Recentemente, em Conceição da Barra, Espírito Santo, diversas famílias que vivem e trabalham em terras há muitos anos estão enfrentando uma batalha legal contra a empresa Suzano. Este caso envolve não apenas a posse da terra, mas também questões de direitos humanos, impacto ambiental e a função social da propriedade. Vamos entender melhor essa situação.

1. Quem são os Ocupantes?

Os ocupantes dessas terras são ribeirinhos e produtores rurais que, há mais de 10 anos, utilizam a terra para a agricultura familiar. Esses homens e mulheres dependem dessas terras para sua subsistência, plantando alimentos como aipim, milho e coco, e vivendo de forma sustentável.

Algumas dessas famílias estão na região desde 2010 e têm enfrentado ameaças e atos de depredação. A presença dessas famílias é fundamental para a preservação do meio ambiente e para a manutenção dos recursos hídricos locais, pois onde o eucalipto foi removido, a água voltou a fluir, mostrando o impacto positivo da agricultura familiar sobre o meio ambiente.

2. O Que a Justiça Diz?

A Suzano, anteriormente conhecida como Fibria, foi condenada em primeira instância pela 1ª Vara Federal de São Mateus/ES (clique aqui para ter acesso). Nessa decisão, a Justiça reconheceu que a empresa havia adquirido as terras de forma fraudulenta, usando intermediários para obter títulos falsos. A sentença determinou:

  • A nulidade dos títulos de domínio das terras.
  • Que o Estado do Espírito Santo deve titular as terras devolutas para as comunidades quilombolas, tradicionais ocupantes da área.
  • Que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) não pode financiar atividades da Suzano nessas terras.
  • Que a Suzano pague R$ 1.000.000,00 em danos morais coletivos, valor destinado ao Fundo de Direitos Difusos.

3. Direitos das Comunidades Ocupantes

As famílias que ocupam essas terras por mais de 10 anos são caracterizadas como posseiros, conforme o relatório do INCRA. Essas ocupações, denominadas de posse velha, estão documentadas no processo nº 5000062-42.2022.8.08.0015, em tramitação na 1ª Vara Cível de Conceição da Barra/ES. Este processo será utilizado como prova e exemplificação para os argumentos apresentados. Apesar da legitimidade de sua posse, essas famílias enfrentam constantes ameaças e atos de depredação, configurando violações de direitos humanos. Vamos explorar os principais pontos e argumentos que sustentam os direitos dessas comunidades:

a. Posse Velha e Função Social da Terra

Posse Velha: A ocupação das terras há mais de 10 anos caracteriza a posse velha, que é protegida pela legislação brasileira. O relatório do INCRA, datado de 2014, comprova que essas famílias estão na posse das terras desde 2010, cultivando a terra e mantendo suas moradias.

Função Social da Propriedade: De acordo com o Art. 186 da Constituição Federal, a propriedade rural deve cumprir sua função social, que inclui:

  1. Aproveitamento racional e adequado: As famílias ocupantes utilizam a terra para a agricultura familiar, garantindo a produção de alimentos e a subsistência das comunidades.
  2. Utilização adequada dos recursos naturais e preservação do meio ambiente: A remoção do eucalipto e o retorno das águas nas áreas cultivadas pelos ocupantes demonstram práticas agrícolas mais sustentáveis.
  3. Observância das disposições que regulam as relações de trabalho: As atividades agrícolas familiares promovem o bem-estar dos trabalhadores rurais e suas famílias.
  4. Exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos seus trabalhadores: A agricultura familiar tem um impacto positivo na qualidade de vida das comunidades, permitindo acesso a alimentos frescos e sustentáveis.

b. Proteção Legal e Normativas Relevantes

Resolução 510 do CNJ e Resolução 10/2018 do CNDH: Estas normativas estabelecem diretrizes rigorosas para desocupações coletivas, assegurando que as remoções só ocorram em circunstâncias excepcionais e garantam os direitos humanos das comunidades afetadas. Entre os pontos destacados:

  1. Participação das Comunidades: As comunidades devem ser consultadas e participar do planejamento de qualquer remoção, conforme estabelecido pela Convenção 169 da OIT.
  2. Planos de Reassentamento: Devem ser elaborados planos de reassentamento dignos, garantindo que as famílias não fiquem sem teto, sem terra e sem acesso a direitos fundamentais.
  3. Proibição de Remoções Durante Condições Adversas: As remoções não devem ocorrer durante mau tempo, à noite, em finais de semana ou feriados, e devem respeitar as condições culturais das comunidades.
  4. Proteção de Grupos Vulneráveis: Devem ser tomadas medidas específicas para proteger crianças, idosos, pessoas com deficiência e outros grupos vulneráveis durante o processo de remoção.

ADPF 828: A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 828 determina a suspensão de despejos e desocupações durante a pandemia de COVID-19 e impõe um regime de transição para garantir que as remoções ocorram de maneira justa e digna.

c. Impacto Social e Sustentabilidade

Agricultura Familiar e Sustentabilidade: As práticas de agricultura familiar adotadas pelas comunidades ocupantes são fundamentais para a segurança alimentar e a sustentabilidade ambiental. A diversidade de culturas e a utilização responsável dos recursos naturais promovem um ecossistema equilibrado e resiliente.

Contribuição Econômica: A agricultura familiar contribui para a economia local, gerando empregos e renda para as famílias ocupantes. A falta de incentivo e apoio governamental, no entanto, limita o potencial de desenvolvimento dessas atividades.

d. Argumentos Jurídicos Fundamentais

  1. Legitimidade da Posse: A posse velha, comprovada por documentos e relatórios do INCRA, assegura a legitimidade da ocupação das terras pelas comunidades.
  2. Função Social da Propriedade: As atividades agrícolas familiares atendem aos critérios de função social da propriedade, conforme estabelecido pela Constituição Federal.
  3. Direito à Moradia e à Terra: A proteção dos direitos fundamentais à moradia e à terra deve prevalecer sobre interesses econômicos, especialmente quando as atividades empresariais causam danos ambientais e sociais.
  4. Incompetência da Justiça Estadual: Dada a natureza das terras como quilombolas e a presença de entes federais interessados (INCRA e MPF), a competência para julgar a questão deve ser da Justiça Federal, conforme previsto no artigo 109 da Constituição Federal.

5. O Que Podemos Fazer?

As comunidades locais precisam de apoio para garantir seus direitos. Aqui estão algumas maneiras de ajudar:

  • Compartilhar Informações: Divulgue esta história. Quanto mais pessoas souberem sobre o que está acontecendo, maior será a pressão pública para que a justiça seja feita.
  • Participar de Mobilizações: Apoie manifestações e eventos que busquem chamar a atenção para a causa dos ocupantes.
  • Apoiar Legalmente: Se você é advogado ou conhece alguém que possa ajudar, entre em contato com as comunidades para oferecer suporte jurídico.
  • Conscientização Ambiental: Participe de iniciativas que promovam a agricultura sustentável e a preservação ambiental.

A Importância do Julgamento nos Dias 11 e 12

Nos dias 11 e 12 deste mês, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) julgará o recurso de apelação da Suzano. Esse julgamento é crucial para o futuro das famílias ocupantes e para a justiça no caso. É uma oportunidade para reverter as decisões de reintegração de posse e garantir que os direitos das comunidades sejam respeitados.

Este julgamento interessa a todas as comunidades que estão na mesma situação, tanto no Espírito Santo quanto na Bahia. A decisão pode estabelecer um precedente importante para a proteção dos direitos de posseiros e comunidades tradicionais em outras regiões afetadas por disputas de terras com grandes empresas.

Sua presença e apoio são fundamentais. Acompanhe o caso, compartilhe informações e participe das ações em defesa das comunidades. A pressão social pode fazer a diferença e ajudar a garantir que a justiça prevaleça.

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